Lindo texto de Ivana Mihanovich

Com todo o meu carinho, para todo mundo, mas especialmente pra Nanna de Castro e Patricia Laura Spinosa

Uma coisa que curto muito no mistério de existir é que cada um de nós toca o outro de um jeito inimitável.
Para seu irmão, seu pai é um; para você, ele é outro pai.
Quando digo: “Eu conheço fulana”, estou, no fundo, falando da minha particular fulana, não da sua.
O que nos faz pensar que falamos da mesma pessoa são as características visíveis, comuns a todos que veem fulana. Mas o que ela monta com um, em privado, é diferente, na qualidade da troca, do que ela monta com outro.
Como flocos de neve, somos únicos, incomparáveis, absolutamente específicos. Não há outro você em todo este vasto planeta. Pense nisso um instante. Realmente não há outro você. Ninguém pode ser quem você é, clone nenhum jamais o será. Somos arte.
Consequentemente, cada um de nós vem e faz um risco também único e específico na mandala da Vida. Uns são coloridos, outros são pálidos; uns tortos, outros retos; uns curtos e diretos, outros longos e complicados. Às vezes, são pontos, às vezes simples curvas.
Alguns de nós vêm brevemente, acrescentam uma flor excepcional, polvilham cintilações e se vão, a dar toques geniais literalmente sabe Deus onde.
Juntos, compõem uma obra que, de tão grande, parece-nos invisível e mesmo incompreensível, especialmente quando percebemos quão volátil essa obra é. Tão única, tão inimitável, tão especial e, ainda assim, o mesmo deus que a monta, distraidamente sopra e a desfaz.
Na condição de lápis que só olha a própria ponta, evidente que isso nos parece descabido. Fora do contexto, tudo é descabido. Na condição de criança que pensa que tudo ao seu redor existe para servi-lo, óbvio que enigmas nos irritam. Queremos controlar tudo, saber tudo, prever tudo, sem perceber que esse nosso “tudo” é uma ínfima fração da grande obra. Nosso tudo, tão importante, tão prioritário, é, no fundo, ternamente risível.
Pese ao lúdico filosófico da pesquisa, penso que na verdade não nos cabe gastar a vida unicamente tentando compreender. Melhor aplicar mais tempo em melhorar o ser – e em deixar ser.
Fácil não é, mas ninguém disse que a gente vinha pra sentar no pudim, vamos combinar.
Porém, pro que não nos atende doer menos, risquemos nossos traços mandala afora, apreciemos os riscos alheios sem interferir, aprendamos a sutil dança entre desejo e aceitação. Mesmo porque relativa humildade diante dos enigmas costuma trazer os vislumbres que, quando caçados freneticamente, nos escapam.
E lembremos que cada encontro de traços é, per se, único, incomparável e, importante, atemporal. As conexões se dão dentro de nós e, portanto, se dão acima da matéria e fora do tempo terreno. É por isso que amor é um grande lance; ele paira bem acima da densidade corporal. E amor não se dissolve porque alguém foi desenhar outra flor em outro lugar. Essa vibração torna-se parte de nós, dentro e fora, e, pese a doer, na verdade é um privilégio sabê-lo.
Desenhemos o melhor que der. O resto entenderemos facilmente quando voltarmos a entender, posto que apenas lembraremos o que já sabíamos.

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