Alma Soberana

Indivíduos e sistemas

Estamos envolvidos por grupos, organizações e sistemas em todos os cantos. Quer sejam a família, amigos, colegas de trabalho, igreja, clube, e mesmos grupos maiores como um país, uma faculdade, um sistema político ou uma religião, estamos envolvidos por grupos e sistemas em todo momento. Os sistemas formam-se de maneira espontânea ou não, em primeiro lugar para atender as necessidades de todos os seres sencientes(que sentem) que estão envolvidos no processo, mas acabam desenvolvendo uma personalidade própria ,uma egrégora e muitas vezes dominam ou procuram dominar completamente os seres que os formam para atender seus interesses sistêmicos. Sem em nenhum momento  procurar  desqualificar os sistemas e grupos, quero relembrar a importância das unidades individuais como início e fim de todo o processo, e propor algumas maneiras de interação que poderão ser mais saudáveis. Lembrando Jung, ” o público é constituído de indivíduos em ocasião que os indivíduos nada são “. Isto significa que apesar da consciência coletiva ter uma alma, sensibilidade, instinto e inteligência própria(mais ou menos à imagem e semelhança dos  indivíduos que a compõem), dificilmente tem um nível de consciência mais profunda ou mais inclusiva do que os indivíduos ou mesmo grupos mais avançados de indivíduos que a compõe, a não ser em grupos pequenos.


Objetivos, propósitos ou missões.


Quer sejamos indivíduos, grupos  ou multidão, sempre desejamos alguma coisa e sempre agimos de alguma maneira para procurarmos atingir o que queremos. Estes nossos objetivos podem ser mais ou menos claros, os meios de alcançá-los podem ser  mais ou menos elaborados e, infelizmente, quanto maior o número de pessoas envolvidas tenderemos a ser mais primitivos, e nem sempre atingimos as necessidades de todos os envolvidos. Podemos pensar nas grandes torcidas, nos grandes movimentos populares, nas revoluções, nas guerras que muitas vezes levantam paixões incontroláveis. Na melhor das hipóteses, podem demonstrar que existem necessidades coletivas não atendidas. Podem levar também ao caos e desorganização, às vezes necessários como elementos de transformação de algo que já cumpriu seu papel.
De outro lado, pequenos grupos, como grupos empresariais, políticos, religiosos , de estudos ou de diversas ordens, têm a possibilidade de pensarem e sentirem de uma maneira mais profunda, de tornarem seus objetivos e missões mais claros, e procurarem atuar para alcançar soluções não apenas para os indivíduos que estejam diretamente envolvidos, mas idealmente de forma que beneficiem o maior número possível de seres, e da melhor maneira possível. É a diferença de uma reforma e uma revolução, que, embora seja às vezes inevitável, se puder ser encontrado algum outro meio poderá ser melhor e menos doloroso.
Uma entidade feminina que trouxe a um nosso grupo uma série de mensagens, cujo nome é Lorenza, colocou um conceito sobre missões: temos todos 3 missões uma individual, onde devemos equilibrar ou harmonizar a nós mesmos; uma segunda missão, onde deveremos procurar equilibrar as pessoas com as quais estamos envolvidos, que são nossos próximos, e uma terceira que deveremos descobrir por nós mesmo, que provavelmente é uma missão relacionada com esferas mais amplas, como nossa cidade, nossa etnia, nosso país ou nosso planeta.
Acredito que na atuação de pequenos grupos está a chave da esperança por um mundo melhor e mais integrado. Como disse Al Gore, podemos caminhar mais rápido quando estamos sozinhos, mas vamos mais longe quando estamos juntos.
Como poderemos  atuar em nossos grupos de uma maneira mais harmônica e produtiva será o principal foco deste artigo.


Crenças .


Em nossas crenças está a principal base de nossa atuação. É a partir delas que nos aproximamos ou nos distanciamos dos outros; que procuramos justificar ou corrigir os nossos erros(inclusive o conceito de certo ou errado é uma crença); que procuramos julgar, influenciar ou mesmo dominar os outros, é a base da guerra e da paz; de todos nossos conflitos e de nossos acordos e associações; de nossos encontros ou desencontros. Sintetizando, é a base de todas nossas relações, até mesmo de diversos aspectos de nosso ser.
Um dos principais fatores que agregam grupos, pessoas e movimentos são as crenças compartilhadas, mas estas mesmas crenças podem ser a causa de separações daqueles que não estão em sintonia com elas. Podem também servir  como ferramentas de manipulação e controle sobre pessoas do mesmo grupo. Muitas  vezes nossas crenças embotam nossa visão, percepção e sensibilidade, e a maneira de lidarmos com nossas crenças e as  dos outros merece nossa contínua atenção.
Em realidade nosso ego, que em um de seus aspectos pode ser considerado um fator aglutinador de nossas crenças e identificações , tende a reagir muito mal e muito rapidamente a qualquer coisa que o desafie. Uma sugestão para que lidemos com esta situação é darmos um espaço, uma  oportunidade e mesmo aceitarmos em um primeiro momento qualquer situação que nos incomode ou desafie, mesmo que não concordemos. Isto nos dará oportunidade de fazermos uma investigação mais profunda e detalhada. Um não ao nosso primeiro não. Depois, com calma, poderemos  procurar uma solução. Até mesmo nossos inimigos devem ser estudados com carinho e atenção para que possamos compreendê-los e atuarmos da melhor maneira possível.
Muitas vezes atrás de alguma emoção negativa está alguma crença que poderia ser modificada. Reflitam sobre isto.


O problema da verdade.


Vamos imaginar que um avião está pousando em Paris. Esta simples verdade pode ser vista de várias maneiras diferentes: do piloto, da passageira que irá encontrar sua família, do funcionário que está esperando um grande executivo, das lembranças que antecedem a viagem ou das expectativas futuras, de todas as moléculas e átomos envolvidos na experiência e ad infinitum…Poderíamos dizer que a verdade última , do pouso do avião, não poderá ser completamente entendida e muito menos transmitida por nenhuma das partes envolvidas de maneira isolada. De outro lado, cada uma das partes, se assim o desejarem e forem honestas, poderiam ser testemunhas de sua própria experiência e um hipotético pesquisador do além poderia ter uma visão mais completa se pudesse coletar o maior número possível de dados e filtrasse usando sua sensibilidade e discernimento, que é o instrumental que realmente  tem a seu dispor, para entender esta experiência.  Se alguém quiser ter um entendimento mais profundo, será interessante que se abra para a experiência dos outros, sei lá, converse um pouco, não procure julgar como os outros se vestem ou não, que tenha um pouco mais de paciência com o bebê chorão, ou seja, que não tome partido a cada segundo.
Se eu acredito que sei a verdade, é bom que não me sinta dono dela, para não me isolar. Se eu acredito que a verdade está com um mestre meu, que eu tenho algum tipo de acesso privilegiado, ou em algum ensinamento revelado por algum livro sagrado ou o que quer que seja ,é bom saber que outros podem também ter seus contatos. E posso saber que se estiver aberto para trocar nossas experiências, diminuindo minhas barreiras, pode aumentar minha chance de contato e de uma compreensão melhor do que está acontecendo, ou seja, uma maior aproximação da verdade. Podemos dizer que nossas realidades podem se aproximar ou distanciar da verdade, e que enquanto isto não deixarão de serem verdades relativas ao nosso próprio foco de atenção.
Acredito que a humildade verdadeira pode ser alcançada não quando aceito alguém ou alguma força a quem admiro e respeito, isto é quase automático, mas ao contrário, quando consigo me abrir para alguém a quem não dou muita bola ou não aceito muito. Em um segundo momento, é claro que nada me impede de voltar ao meu espaço interior e zona de conforto.
Dentro de alguns campos de experiência específicos, como por exemplo, no campo científico, pode ser alcançado um bom entendimento de muitas relações de causa e efeito e de manipulação da natureza, mas acreditem, também tem seus limites e seguramente não é o único e nem sei se o melhor meio de aproximação de muitos aspectos da verdade, mesmo  tendo uma profunda e importante atuação e responsabilidade em nossa realidade.
No Oriente existe um entendimento de que a Vida é uma grande Ilusão, Maia, e impermanente. Que o Absoluto não pode ser apreendido pela nossa mente finita. Sem em nenhum momento negar esta perspectiva, gosto da declaração de um médico espiritualista já falecido, dizendo que a Vida é uma verdade provisória. Desta maneira poderemos vivenciar a arte da busca e do encontro contínuo, sem perder a perspectiva da total relatividade, interdependência e eterno movimento do Tudo Que É.


Alfas e betas: o problema da comunicação e controle.


Em todos os grupos humanos é normal surgirem lideranças. O problema é que existe uma grande diferença em uma liderança natural e outra imposta.
Para mim ficou bastante claro o princípio de liderança quando estávamos eu e vários outros colegas, nos voluntariando em um seminário com cerca de 150 pessoas. Na época, os participantes levavam comidas e nós, voluntários, deveríamos arrumar e organizar tudo. Estava na cozinha e não tinha a mínima ideia por onde começar. Pedi à uma amiga , e ela começou a me orientar. Foi um alívio para mim e pude ajudar com uma eficiência muito maior. Ficou claro para mim a importância de uma liderança natural, não imposta e isto significava que minha orientadora tinha mais experiência do que eu e desta maneira era mais fácil alcançar nosso objetivo comum.
Em uma situação bastante diferente, em uma empresa na qual trabalhei,  a diretoria não tinha o menor interesse em ouvir o que se passava no coração e mentes de seus comandados. O resultado não poderia ter sido diferente: apesar de ser uma empresa de enorme potencial, acabou perdendo equipes inteiras e oportunidades incríveis muitas vezes que poderiam ser evitadas por decisões bastante simples. Ás vezes basta saber ouvir.
Pelo menos em nossa cultura ocidental, é muito comum  briga por poder, e mesmo em conversas de bares é muito mais comum um querer impor suas ideias aos outros do que estarem abertos à uma verdadeira troca. É muito mais praticado o senso crítico e procurar abafar as posições discordantes do que procurar pontos em comum.
O que percebemos muito frequentemente é o que chamo de altismo e baixismo psíquico, com algumas pessoas considerando que suas crenças são mais verdadeiras e suas referências mais profundas, ou outros, por outro lado, acharem que não estão à altura ou que sua participação não fará nenhuma diferença.
O ideal talvez seja quando colocarmos nossas opiniões, o façamos com firmeza, mas que estejamos abertos e receptivos quando os outros colocarem as suas.
O interessante é que  quando alguém quer convencer o outro, ou os outros é muito frequente invocar alguma autoridade externa, como um livro, uma regra, um mestre ao invés de simplesmente apresentar suas opiniões, sentimentos ou percepções. Normalmente estas pessoas querem, sim, que suas vontades sejam implementadas, mas sem se responsabilizarem diretamente por elas. Pior ainda, quando procuram desqualificar a pessoa e não discutir suas ideias ou ações.
A luz deve circular, e ás vezes devemos ser receptivos e às vezes ativos, em momentos alternados.
Provavelmente nas cerimônias de cachimbo da paz dos índios americanos, quem estava com o cachimbo dava uma primeira baforada, e todos guardavam silêncio, expressava sua ideia, dava outra baforada, para que todos tivessem a oportunidade de absorver o que havia dito, e passava o cachimbo. A energia e o foco de atenção circulavam, e todos tinham seu momento de alfa e de beta, entendendo o momento alfa como um momento ativo e beta como receptivo.

Estabelecendo contato e praticando a arte do encontro.

Assisti a um vídeo no qual o Obama estava entrando em um edifício e estava um guarda na porta. Ele parou, olhou nos olhos e o cumprimentou com um aperto de mão. Atrás dele estava também algum alto personagem, ameaçou estender a mão ao guarda, e quando este foi retribuir, retirou a mão e passou reto. Algumas pessoas, por mais elevados que sejam seus cargos, fazem contato real e outras não. Para quem tem olhos para ver, basta observar de um lado, por exemplo, o Dalai Lama, o papa Francisco e de outro, apenas a título de exemplo, a Dilma, que quando está em público apenas pousa para galera. É a diferença de sermos humanos ou robôs.
Poderemos focar no que temos em comum, em nossa unidade de existência, ou em nossas diferenças. Muitos dizem que a grande escolha e possibilidade de mudança que nosso planeta está atravessando é entre o princípio da unidade entre tudo e todos e o princípio da separação; a diferença entre cooperação e competição e a busca da unidade dentro da diversidade. As necessidades planetárias estão necessariamente sendo convidadas especiais para esta grande festa. Eu também sou o outro, estamos no mesmo barco. Além dos nossos interesses e necessidades, que devem ser respeitados, os dos outros devem receber a mesma consideração e atenção. Poderá ser produtivo ouvir até aquele em quem não acreditamos.    Uma das técnicas modernas(que já existe há décadas) de desenvolvimento da criatividade em pequenos grupos é o brain-storn(tempestade cerebral), onde os participantes apresentam suas ideias sem nenhuma censura ou julgamento sobre um assunto e apenas depois discutem sobre as melhores soluções. Para que isto seja possível, é necessário muito respeito, confiança e liberdade mútuos. Infelizmente, esta prática serve apenas para pequenos grupos que estejam bem abertos para ouvir  e não funcionaria, por exemplo, em uma reunião onde estivessem presentes mais de 40 ministros. Esta técnica, por estranho que pareça, tem apresentado enormes resultados.
Ao contrário dos sonhos totalitários de líderes do passado, que procuravam pasteurizar e mecanizar todo o comportamento humano(Charlie Chaplin foi brilhante nesta demonstração),alguns pensadores atuais estão começando a perceber a importância de respeitar  e eventualmente integrar as diferenças, sejam elas a diferença de etnias, de religiões, de países, de hábitos sexuais, ou quaisquer que sejam. Estão até mesmo percebendo o perigo da ditadura das maiorias, e percebendo a importância da representação e reintegração também das minorias, sejam elas índios, crenças não hegemônicas ou mesmo população carcerária ou envolvidas em drogas, que também necessitam de alguma maneira serem reintegradas. Temos o que falar, mas temos o que ouvir. Às vezes a violência é um grito de socorro, precisamos entender isto.
Deveremos alcançar uma sabedoria na imposição de leis, regras e limites, muitas vezes necessários, e os limites aos nossos limites. A diferença é a nossa liberdade.
Felizmente, cada vez mais estão surgindo em nosso planeta os seres empáticos, que conseguem sentir as energias e processos dos outros. Sabemos que na natureza muitos animais e plantas sentem, por isto os budistas muitas vezes chamam todos os seres de sencientes, e evidentemente não se referem apenas à humanos. Uma definição bonita de amor que ouvi uma vez é que amor é se sentir em unidade e cuidar, e sei que muitos já praticam esta maneira de amar.
Outro dia soube da existência do que poderíamos chamar de um novo movimento na arte de pensar(apesar de já ter aparecido há algumas décadas), chamada de comunicação não violenta. Basicamente será procurar no processo de comunicação não acusar, julgar ou ferir o outro, mas antes procurar apresentar os próprios sentimentos e necessidades, assim como procurar entender  próprios sentimentos e necessidades do outro. É a essência da comunicação empática.
Como participo e tenho participado de diversos grupos percebo a importância cada vez maior de nos responsabilizarmos pelos nossos pensamentos e ações, sem procurarmos transferir responsabilidades ou manipularmos para uma situação mais adequada, e estarmos abertos ao lado disto para a participação dos outros. Além disto, procurar lembrar que o melhor momento de trabalhar qualquer situação é quando ela está presente. O momento é agora. Este é o momento do encontro de nossas almas e a busca de harmonia, por maior que seja o conflito em que estejamos envolvidos. Não temos mais muito tempo para adiarmos as soluções, mesmo considerando que precisamos alcançar equilíbrio emocional para que elas se tornem possíveis.


Atingindo a soberania, quebrando a casca do ovo .


Nas primeiras etapas de nosso desenvolvimento precisamos de proteção, disciplina  e orientação. Isto acontece nas fases de crescimento, com o papel de nossa família e educadores, em nossa eventual educação religiosa, em nossa aprendizagem de cidadania e assim por diante. A partir de um determinado momento, porém, eventualmente poderemos começar a pensar por nós mesmos. Começando pelo que Jung chamou de processo de individuação, que pela nossa sintonia com o Self iremos nos desprendendo de tudo que impede nossa evolução e eventualmente estabelecendo contato com nossa alma, ou eu profundo, e a partir deste ponto estaremos em sintonia com nossa intuição, o que nos permitirá agir não mais a partir de referências externas mas sim a partir de nosso interior.
Existe uma falsa crença de que o caminho da individuação é um caminho egoísta e egóico, mas isto não me parece ser verdade. Em realidade, quanto mais interiorizados estamos, mais universais tendemos a ser e mais próximos de cumprir nossas missões.
Uma pergunta que sempre é colocada é como saber se é intuição ou ego. A resposta mais profunda é que quando atingimos um determinado nível de percepção, poderemos reconhecer a assinatura de frequência de cada fato que nos vêm à consciência, e nos posicionarmos a partir disto. A resposta mais fácil é que quando estamos com qualquer emoção negativa, nossa primeira reação  será do ego. Precisaremos neste caso equilibrar nossas emoções antes de tomar qualquer decisão.
Acredito que a verdadeira tarefa de um grupo de desenvolvimento de consciência é a libertação de seus indivíduos das prisões emocionais e mentais, e todos escritos, mensagens e práticas deverão servir de ferramentas de libertação e não de prisões.  Deveremos sempre ser leais aos nossos mestres e ensinamentos recebidos, mas fiéis ao Espírito. Poderemos alcançar um contato com o Espírito on- line. Sempre lembrando que, como a luz sempre circula, os outros podem estar com os mesmos contatos, e não podemos nos esquecer dos momentos alfa e beta.
Além disto, deveremos estar sempre onde seremos mais necessários para a realização de nossas missões. Enquanto estamos aprendendo, deveremos estar onde poderemos aprender, e quando estamos ensinando, onde existe ambiente para que possamos ensinar. Não devemos temer deixar os grupos que já não estejam cumprindo seus papéis em nossas vidas. Nosso principal foco deve ser a realização de nossas missões.
Como diz um velho ditado sufi ou rabínico, não tenho certeza: “Se eu não for por mim, quem o será?
Se eu não for pelos outros, o que serei eu?
Se não agora, quando? ”

Um abraço apertado aos meus companheiros e companheiras de jornada.

Betôh, junho de 2013.

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